Sempre fui fascinada pelo Oriente Médio. História era minha disciplina favorita na escola (junto com Geografia). E embora eu não tenha ascendência nenhuma por aquelas bandas, a região me intriga. E foi exatamente por isso que eu tentei incluir uma parte do Oriente Médio no meu roteiro (uma parte que eu considerava segura para viajar sozinha). Errei, mas tudo bem. Da vida a gente leva as lições. Aprendi a minha!
E cheguei na Jordânia, que de fato é um oásis de tranquilidade no meio do turbulento Oriente Médio. É um país famoso por causa de Petra, mas o que me encantou mesmo foi o deserto, ou melhor, a noite que eu passei no deserto.
Não sou do tipo que acampa. Para não dizer que nunca acampei, acampei uma vez na Ilha de Tavira, Portugal. E embora tenha sido uma experiência divertida, foi cheia de perrengues. Na verdade, eu tenho pânico, verdadeiro horror a dois tipos de bichos: lagartixa e sapo.
Passo mal, mas muito mal só de ver. Começo a tremer, saio gritando. É um horror! E confesso que é por isso que sempre que posso evito “as temporadas nas praias brasileiras” exatamente por causa dos sapos e das lagartixas.
E é por isso que evito acampar também, mas mesmo sem saber se eles estariam presentes no deserto (felizmente não vi e não entendo muito de habitat natural dos bichos), eu decidi que acampar no deserto de Wadi Rum era algo que eu tinha que riscar da minha listinha de coisas a fazer antes de morrer, a tal bucket list.
Voltando ao deserto. Eu juro por Deus (ou Alá) que entendi que o ônibus para Wadi Rum era às 06:30 hs da manhã. Cheguei na recepção do hotel às 06:25 hs e fui informada que meu ônibus tinha acabado de partir, pois o horário dele era 06:20 hs. Mas, a Gail (dona do hotel Sabba que eu fiquei), muito gente boa, ligou para o motorista e o cara parou no meio da estrada e ela me levou até ele. Já tinha comprado um tour que incluia 6 horas de passeio num 4×4, 3 refeições e o acampamento no deserto. Me falaram do tour do hotel Cleopetra, mas eu não consegui achar esse hotel, então peguei o tour que a Gail me indicou e que custou 50JD (para quem não sabe 1 JD vale o mesmo que 1 libra). Novamente, preços abusivos, mas fazer o que? O ônibus para Wadi Rum custa 5JD e vou contar a história do cobrador desse ônibus em breve.
Chegando em Wadi Rum, fui surpreendida com mais uma cobrança de 5JD para entrar no local. O pessoal do tour estava me esperando. Descemos eu, um pai e seu filho que eram de Israel. Ali eu acho que comecei a ser enganada. Os israelenses queriam o tour de 3 horas porque tinham que ir até a fronteira e eu queria o de 6 horas, mas como eles só tinham nós 3 para fazer o passeio, eu tive que entrar no tour dos israelenses. O tal do almoço também nunca apareceu, por sorte os israelenses tinham umas bolachas e ninguém morreu de fome.
Os israelenses eram super gente boa. O David tinha 55 anos e seu filho Olly, 22. O menino era apaixonado pela América do Sul, vivia me perguntando coisas e o David se dispôs a tirar todas as fotos que eu queria de mim mesma. Adorei!
Nosso motorista era um senhor árabe e muçulmano com um inglês bem precário. Ele me fez sentar do lado dele no 4×4, até aí eu achei que era para não separar o pai e o filho. Ledo engano. Lá pelas tantas, ele começou a mostrar as coisas apenas para mim, como se os outros 2 não estivessem por lá. Quando eles saíram para tirar umas fotos, ele olhou para mim e falou “Israelenses. Judeus. Deixa eles sozinhos”. Se tem uma coisa que não gosto é injustiça e aquele comentário me deixou indignada porque os dois israelenses eram muito legais. Aí eu virei para o árabe e falei: “Qual é o problema? Eu sou judia também e você está me tratando bem o dia inteiro. Por que não faz o mesmo com eles?”. O velho ficou sem reação, porque ele realmente acreditou que eu era judia. Esse é o lado bom de ser brasileiro. Você pode ser (ou inventar) que é qualquer coisa e todo mundo acredita, afinal poderia ser verdade. Bom, foi meio que o final do tour “simpático” para o grupo inteiro.
A Jordânia em teoria possui relações amigáveis com Israel, mas não se iludam – o preconceito é grande, os refugiados da Palestina vivem em condições piores que os favelados do Brasil e muitos árabes não gostam dos judeus. A teoria é linda, já a prática…
Terminado o tour, voltamos para a casa do Audeh, o “dono da empresa de tours”. Os israelenses pegaram um táxi até a fronteira e fizeram questão de me deixar toda a comida que eles tinham, assim como a água mineral (eu disse que eles eram muito legais).
Então, o Audeh me levou até o acampamento que eu passaria a noite e quando eu cheguei lá perguntei onde estavam as outras pessoas. E ele me respondeu que eu era a única que iria dormir lá, mas que o Mohammed (o motorista racista) ía ficar lá comigo. Eu chamei o Audeh para um canto e falei que não ía dormir sozinha naquele acampamento e que ou ele me arranjava um acampamento com outros turistas, ou ele me levaria de volta até Petra sem me cobrar nada, porque o tour não estava sendo do jeito que deveria ser. Expliquei que paguei mais caro e que esperava almoço, 6 horas de tour e um acampamento com outras pessoas.
Criei um pequeno “casino” como os italianos diriam e ele rapidinho me levou de volta para a vila e lá eu esperei mais uns 15 minutos e o primo dele apareceu com uma mulher dentro do carro. Eles falaram que eu e ela dormiríamos no camping do primo, o Etik. Não era bem o que eu queria, mas pelo menos já tinha outra pessoa comigo.
A Arlene tinha 61 anos, mas juro por Deus (ou Alá) que ela não aparentava ter mais de 40. Foi empatia imediata e viramos melhores amigas. Como só tinha nós duas no camping e ele era literalmente no meio do deserto, não demorou muito para ela me contar a vida inteira dela e eu fiz o mesmo. Durante os quase 2 dias que passei lá, tive sessões de terapias grátis. Ah! Mas se eu soubesse que algum dia iria conhecer a Arlene, jamais teria feito terapia no Brasil.
Contei a novela inteira do Scott, aí já aproveitei para falar de um caso antigo no Brasil que eu achava que um dia daria certo, até que nossos papos viraram praticamente um muro de lamentação do tipo – não somos nós que somos complicadas, eles é que complicam tudo.
E a Arlene era super pra frentex. Divorciada, feliz, sempre saindo com alguém, mas daquelas que se divorciou e não quer mais casar. Aí, lógico que ela já me recomendou nem cogitar a ideia do casamento. Essa parte eu meio que abstraí, porque né? É fácil falar para alguém não casar quando você tem 60 anos, tem 2 filhos. Mas eu tenho 30, não consigo imaginar um futuro completamente sozinha, até porque eu não gosto de gatos (os bichos) e esse é o clichê da encalhada – tia, velha e uns 5 gatos. E nem tia eu sou! Tá difícil meu povo!
Só um adendo – a Arlene é aquariana. Eu já sabia antes de perguntar, mas quando digo que quase todas as aquarianas estão sempre um passo na frente, ninguém acredita. Mas enfim…não acredito em destino e nessas bobagens, mas foi no mínimo intrigante eu ter conhecido a Arlene. Porque foi num momento que precisava muito escutar uns conselhos e fiquei bem mais tranquila depois que conversei com ela. Por isso que amo viajar! A gente sempre conhece umas pessoas muito legais.
Ok, ok, vamos voltar para o camping. Se eu falasse que o camping era primitivo, eu estaria mentindo. O camping era super primitivo. O banheiro por exemplo, além de não ter água, não tinha portas. A gente preferiu usar as moitas mesmo. As barracas também não tinham portas e os cobertores, prefiro não comentar a quantidade de pêlos brancos que estavam neles. Possivelmente eram usados pelos animais também. Sugiro que você leve papel higiênico e lenços umedecidos para o deserto, assim como água mineral e comidas como bolacha e chocolates se for fazer um tour econômico. Eu estou sempre com fome (sempre), então passei um pouco de fome por lá, até porque o chocolate acabou antes do término do tour.
Mas, acampar no deserto é uma daquelas experiências únicas. E, quando o sol foi embora e a noite chegou, a temperatura caiu (muito) e as estrelas apareceram. Infelizmente não consegui captar com minha câmera como aquele céu estava estrelado. Era uma chuva de estrelas cadentes. Só tinha visto algo tão bonito quando acampei em Tavira, Portugal.
Nisso, o Etik (o primo) e o Mohammed (o motorista racista) estavam preparando um churrasquinho de frango. Na verdade, eles tostaram o frango. Até eu faria um churrasco melhor, mas tudo bem. A gente estava com tanta fome que comeu tudo queimado mesmo. Ah! Eu esqueci de mencionar que o acampamento não tinha luz, não tinha gerador, não tinha nada. A gente tinha que comer no escuro, iluminadas apenas pela fogueira e por uma lanterninha que eu tinha.
Os dois arábes não paravam de fumar narguile (sequer ofereceram para a gente) e eu a Arlene continuamos colocando o papo em dia. Lá pelas 8 da noite, que naquela altura do campeonato já parecia meia-noite para mim e para ela, chegou um americano e um casal de romenos. Ficamos conversando na beira da fogueira, sem uma gota de álcool (porque Jordânia é um país muçulmano e como vocês devem imaginar álcool é caro e não é tão facilmente encontrado). Ficamos só na base do chá (e a quem possa interessar, não era alucinógeno ao contrário do que me deram no Marrocos).
A Arlene e eu ficamos na barraca maior, o casal na menor e o americano ficou com os àrabes na barraca estilo “sala” com a fogueira. Eu não consegui dormir, porque no meio da noite começou uma tempestade e o vento que entrava na barraca (sem portas) era enorme. Nunca passei tanto frio na vida, mas tudo bem.
No dia seguinte, acordei umas 6 da manhã e vi um dos cenários mais lindos da minha vida. O céu preto, a areia marrom e um arco-íris maravilhoso no fundo (infelizmente não consegui captar o arco-íris).
Lá pelas tantas, o motorista racista me levou até a vila para eu pegar o ônibus até Wada Musa. Entrei no ônibus e reencontrei o cobrador, o cara mais dodgy (acho que a tradução é malandro) que conheci na Jordânia até então. Mas a história desse cara é tão sem noção que preparei um post “assédio mundo afora” e ele está lá como personagem principal.
Enfim, para finalizar a história do deserto. Gostei muito mais do deserto do que de Petra. A chuva de estrelas cadentes não sai da minha cabeça. E é algo que eu definitivamente acho que todo mundo deveria ter a chance de poder fazer uma vez na vida – acampar num deserto.